Casados pelo regime de separação convencional de bens, podem renunciar a herança?

Caso: No casamento ou união estável sob o Regime de Separação Convencional de Bens, o cônjuge sobrevivente se torna herdeiro junto com os filhos. Seria possível que o casal afastasse esse efeito?

I – FUNDAMENTOS:

O art. 1.829 do Código Civil dispõe sobre as regras de sucessão. Em seu inciso I, menciona a situação em que o cônjuge concorre com os descendentes:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694)  

I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares.

Portanto, considerando que o Regime de Separação Convencional não constitui exceção, segue-se a regra geral – descendentes concorrerão com o cônjuge.

O art. 426 do Código Civil, por sua vez, menciona a impossibilidade de dispor sobre herança:

Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.

Em tese, esse artigo vedaria a possibilidade de incluir a renúncia ao direito de concorrer em pactos ou contratos.

II – DEBATES:

O art. 426 visa, principalmente, vedar o pacto corvina, que indicaria um desejo do falecido em favor de alguém interessado na sucessão, gerando ao beneficiário um anseio da morte ou benefício dela.

Rolf Madaleno defende que a renúncia ao direito de concorrer não se trata de pacto corvina, pois, com o falecimento, a pessoa não teria benefícios, tendo renunciado aos direitos sobre a herança do cônjuge.

Mario Luiz Delgado segue a mesma linha, esclarecendo que a renúncia é ato unilateral, enquanto o art. 426 menciona contrato, que é ato bilateral. Além disso, sempre que o Código quis mencionar renúncia, o fez expressamente (art. 556 e 424).

Mario Luiz Delgado explica ainda que sucessão é diferente de herança: a sucessão é o direito de suceder, enquanto a herança é o acervo de bens. Seguindo essa linha de raciocínio:

– Sucessão: Direito por força do qual a herança é devolvida a alguém.

– Herança: Acervo de bens transmitidos.

Logo, a renúncia seria ao direito de suceder, mais especificamente ao de concorrer com os descendentes. Na mesma linha, Rolf Madaleno discorre sobre essa renúncia, firmando sua possibilidade, por se tratar de renúncia ao direito de concorrer.

Por outro lado, alguns autores defendem a impossibilidade de renúncia em situações que envolvam o evento “morte”. 

Entretanto, Daniel Bucar entende que são possíveis negócios jurídicos que envolvem “morte” e cita os seguintes exemplos:

– Contratação de seguro de vida;

– Doação com cláusula de reversão;

– Usufruto com direito de acrescer.

Nos exemplos acima, a morte é o fato gerador de todas as estipulações, logo, a tese contrária perde força.

Já Giselda Hironaka e Flávio Tartuce entendem pela impossibilidade da renúncia à herança por cônjuge/companheiro, em virtude do art. 426, mencionando expressamente que necessitaria de legislação específica para tal permissão.

O STJ, ao analisar situação de renúncia, não em caso específico como o da separação de bens, mas relacionado à meação, mencionou que a renúncia só poderia ocorrer após a abertura da sucessão (REsp 1.196.992/MS):

SUCESSÕES. RECURSO ESPECIAL. MEAÇÃO. ATO DE DISPOSIÇÃO EM FAVOR DOS HERDEIROS. DOAÇÃO. ATO INTER VIVOS. FORMA. ESCRITURA PÚBLICA. 1. Discussão relativa à necessidade de lavratura de escritura pública para a prática de ato de disposição da meação da viúva em favor dos herdeiros. 2. O ato para dispor da meação não se equipara à cessão de direitos hereditários, prevista no art. 1.793 do Código Civil, porque esta pressupõe a condição de herdeiro para que possa ser efetivada. 3. Embora o art. 1.806 do Código Civil admita que a renúncia à herança possa ser efetivada por instrumento público ou termo judicial, a meação não se confunde com a herança. 4. A renúncia da herança pressupõe a abertura da sucessão e só pode ser realizada por aqueles que ostentam a condição de herdeiro. 5. O ato de disposição patrimonial representado pela cessão gratuita da meação em favor dos herdeiros configura uma verdadeira doação, a qual, nos termos do art. 541 do Código Civil, far-se-á por Escritura Pública ou instrumento particular, sendo que, na hipótese, deve ser adotado o instrumento público, por conta do disposto no art. 108 do Código Civil. 6. Recurso especial desprovido.   (REsp n. 1.196.992/MS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 6/8/2013, DJe de 22/8/2013).

Pois bem, o tema é tenso, mas, infelizmente, a meu ver, não atende à realidade fática. Imagine, por exemplo, um casal que escolheu o regime de separação convencional de bens, ambos independentes, com filhos de relacionamentos anteriores, não poder dispor sobre a forma de sucessão entre si.

Nesse contexto, temos o objetivo dos pactos antenupciais e contratos que, conforme Rolf Madaleno, devem ter como base a autonomia privada dos cônjuges e conviventes. Ou seja, são os próprios sujeitos da relação afetiva que constroem, quanto à convivência e patrimônio, o conteúdo das relações; por isso, deve-se considerar a ausência de legislação específica como um espaço para a convivência, sendo um assunto exclusivo do casal, que atua como seu próprio legislador (Madaleno, 2020).

III – LEGISLAÇÃO:

No estado do Rio de Janeiro, o tema foi regulamentado no Código de Normas:

Art. 390. Da escritura de reconhecimento de união estável, dentre outras, poderão constar cláusulas patrimoniais dispondo sobre o regime de bens, incluindo a existência de bens comuns e de bens particulares de cada um dos conviventes, assim como cláusulas existenciais, desde que não vedadas por lei.

          • 3º. A cláusula de renúncia ao direito concorrencial (art. 1.829, I, do CC) poderá constar do ato a pedido das partes, desde que advertidas quanto à sua controvertida eficácia.

Já o anteprojeto do Código Civil também prevê a possibilidade de renúncia:

Do Anteprojeto do Código Civil:

Art. 426. ……………………………………………………………………….

          • 1º Não são considerados contratos tendo por objeto herança de pessoa viva, os negócios:  

I – firmados, em conjunto, entre herdeiros necessários, descendentes, que disponham diretivas sobre colação de bens, excesso inoficioso, partilhas de participações societárias, mesmo estando ainda vivo o ascendente comum;  

II – que permitam aos nubentes ou conviventes, por pacto antenupcial ou convivencial, renunciar à condição de herdeiro.

          • 2º Os nubentes podem, por meio de pacto antenupcial ou por escritura pública pós-nupcial, e os conviventes, por meio de escritura pública de união estável, renunciar reciprocamente à condição de herdeiro do outro cônjuge ou convivente.

 

IV – CONCLUSÃO:

O tema é polêmico, mas sigo a linha de raciocínio dos professores Rolf Madaleno e Mario Luiz Delgado, pois entendo que o Direito deve se ajustar às necessidades da evolução da sociedade e não pode estagnar no tempo.

 Já tive um caso semelhante e, sabe como procedi?

Orientei os clientes de forma clara e objetiva sobre os riscos, documentei a ciência com a assinatura deles, redigi a minuta com vários considerandos e busquei um cartório que concordasse em fazer o registro.

Caso você compartilhe da mesma opinião, segue anexo os considerandos que utilizei e algumas declarações que adaptei dos estudos sobre o tema. 

Esse tipo de documento deve ser feito de forma muito completa, com redação clara e objetiva, para resguardar possíveis questionamentos futuros.

Espero que aproveitem o material.

O ambiente transforma e o estudo liberta!

Abraços,  

Fernanda Haeming  

Advogada

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